-Há poucos dias chamei aqui atenção para o blogue SIDADANIA. Ainda sobre o tema, publico entrevista de Lídia Soares, autora do blogue Silêncio Culpado, a Raul, autor do blogue SIDADANIA.
- As pessoas com sida estão em desigualdade de oportunidades em
relação às outras pessoas?
Vamos considerar quando fala em pessoas com sida pessoas infectadas pelo HIV, pois Sida é o último estágio no avanço da doença e essas pessoas, estão muito debilitadas normalmente.
Claro que estão em desvantagens em todos os aspectos quer a nível de trabalho, quer empréstimos quer seguros de vida. A máscara continua a ter que ser usada e o engenho de cada um tem de ser usado para contornar estes obstáculos.
- Há maiores dificuldades a nível de emprego, escola e participação em
actividades de grupo?
Uma das maiores preocupações de qualquer infectado que tenha um emprego estável o qual lhe permite viver confortavelmente, é o medo de perder esse emprego devido à sua condição de infectado pelo HIV. Normalmente as grandes empresas pedem check-ups anuais ou de dois em dois anos, aos seus funcionários. Dos diversos testes que pedem um deles é ao HIV, o qual é aterrorizante para quem sabe que está infectado e sabe que tem de fazer o teste daí a uns tempos.
Depois nas próprias instituições ouvem-se conversas sobre sida (as pessoas não sabem que o colega está infectado) que são autênticas aberrações e mostram o que realmente a sociedade pensa acerca da doença. O pobre desgraçado ouve aquilo como um escárnio sobre ele, só que não se revela porque não é louco, precisa de trabalhar e está amedrontado. O stress é grande acredite.
Soube do caso do cozinheiro despedido pelo grupo Sana? A justiça ainda deu razão á entidade empregadora não obstante haver relatórios científicos que atestavam a infecção pelo HIV não ser perigosa no desempenho das suas funções e não haver risco para os clientes do hotel. Mas há mais …muitos mais casos.
Nas escolas certamente tem lido e os leitores também, os problemas que os pais das outras crianças levantam quando sabem haver na escola uma criança seropositiva ao HIV.
Nas actividades de grupo não vejo dificuldades. Ou estou em grupos dedicados à Sida e outras DSTs (Doenças sexualmente transmissíveis) e aí estou à vontade, ou então nos outros grupos não vejo necessidade de revelar a minha condição de infectado.
- Sente preconceitos da sociedade em relação a esse tipo de doença?
Directamente não, mas eu não revelo a minha condição de infectado excepto em casos em que isso é necessário. A minha família sabe, as pessoas envolvidas de qualquer maneira na problemática da Sida com as quais tenho contacto sabem, os meus amigos infectados e pouco mais. Não tenho que publicitar a minha doença, assim como não o tenho de fazer em relação à minha orientação politica, ao clube de que gosto ou mesmo preferências sexuais. Se o tiver que fazer faço-o com o mesmo à vontade. Para os contactos comuns o meu problema de saúde é uma insuficiência hepática e agora recentemente problemas cardíacos. Não estou mentindo sequer, só que não sou obrigado a dizer que a minha insuficiência hepática é devida á toxicidade de medicamentos que tomei para o tratamento da SIDA.. Estou ligado também a doenças comuns em infectados pelo HIV,como a hepatite C e as tuberculoses multi resistentes e isso não quer dizer que seja tuberculoso ou tenha a hepatite C ou outra qualquer doença.
Agora em relação à SIDA e aos preconceitos da sociedade em relação à doença eles existem, e a prova disso são os casos que acontecem diariamente, alguns mesmo vindos de entidades governamentais responsáveis que vão alimentando a fogueira da discriminação, exclusão social e do estigma.
- O que acha que deve ser mudado a nível de mentes?
Disse-me que não entende muito de informática. Mas é necessário formatar o disco e colocar tudo de novo. Os erros do passado deixaram marcas profundas e é um trabalho gigantesco mudar as mentalidades.Se todos actuarmos e tivermos o apoio das entidades governamentais a pouco e pouco as coisas podem mudar. Um dos trabalhos era o governo apoiar palestras nas escolas com crianças mesmo antes de estas iniciarem a sua vida sexual activa. As crianças podem levar essas informações para os pais em casa. Era uma maneira de aproveitar o Know how da comunidade infectada e ao mesmo tempo dar-lhes a possibilidade (aos infectados) de com esse trabalho arranjarem um meio de subsistência. O saber e a experiência de muitos infectados torna-os em peritos altamente qualificados nessa matéria. Depois a frente de combate não pode ser só na desmistificação da doença. Temos de actuar cada vez mais na prevenção, para evitar novas infecções. Os comportamentos têm de mudar, e nunca é demais lembrar que a SIDA existe.
A educação em relação á doença tem de passar pela informação e não pelo medo. A Sida não é o Papão com que se assustavam as criancinhas, aplicado a todo o povo menos informado.
- E de apoios estatais?
Apoio social a nível do infectado ou a nível de associações que trabalham nesta área?
A nível de infectados há um apoio para ajudar na renda de casa, água e electricidade. Os assistentes sociais dizem desconhecer essa lei e que essa verba existe. É difícil de conseguir essa ajuda e podem-se contar pelos dedos da mão as pessoas que a nível nacional a recebem. Só com muitas cunhas dizia-me há tempos um feliz contemplado.
A nível de associações o estado ajuda em alguns projectos. Mas as coisas estão difíceis e cada vez é mais complicado as associações receberem essas verbas. Quanto aos critérios para a atribuição dessas verbas e aos projectos aprovados e à sua utilidade na ajuda aos infectados, tenho uma opinião, mas não me vou pronunciar sobre ela nesta entrevista, desculpem-me.
- O que lhe falta?
Falta-me terminar o meu ciclo de vida e morrer. Até lá falta-me a segurança que me garanta a subsistência alimentar e de tecto que até hoje ainda não faltou. Note-se que nunca recebi qualquer subsidio ou apoio estatal, ou de qualquer outra instituição de apoio social. Também nunca o pedi até hoje.
- O que mudou na sua vida?
Morri e voltei a nascer, talvez seja a frase certa para ilustrar as mudanças. Na altura em que fui infectado sabia que a SIDA existia, e a minha noção acerca da doença era que matava rapidamente, e que bastava apanhar-se uma simples gripe que ela nunca mais curava e acabava por matar a pessoa infectada. Sabia que havia um medicamento chamado AZT, para a tratar mas via esse medicamento em botijas de alguns litros que era aplicado com internamento hospitalar tipo soro ou sangue nas veias. Via o tratamento da SIDA num cenário aterrador de dor e sofrimento. O meu retrato robot de uma pessoa com SIDA, era visualizado mentalmente como a figura de alguém andrajoso com feridas na cara e nos braços. Foram as imagens passadas ao mundo desde o inicio e que ficaram em memória. O quanto eu estava errado e essa minha ignorância no passado faz com que hoje compreenda o que muitas pessoas pensam acerca da SIDA.
Ao saber que estava infectado, o impacto da doença mudou completamente a minha vida. É complicado aqui descrever tudo o que fiz. Sentia necessidade de ver outros infectados falar com eles, queria aprender …aprender…aprender… a como viver com a SIDA. Tinha um encontro obrigatório com a morte que ia adiando sucessivamente um mês, seis meses um ano. Ia estabelecendo metas antes de me entregar. Os meus filhos estavam no secundário ainda e não estavam preparados para a vida essa era a minha maior preocupação. Fui negociando e adiando a minha partida. Os filhos acabaram o secundário depois acabaram a faculdade, a filha casou, já tenho um neto e a vida continua.
Após 11 anos de infecção, não sei quantos anos irei viver mais, mas não estou preocupado com isso. Um dia hei-de morrer mas não tenho pressa. Se analisar a SIDA na minha vida até que nem foi tão má assim. Tive tempo para parar, pensar e saber o quanto gosto de viver. Passei a ter mais amor pelo meu próximo e a gostar mais de mim mesmo. Dediquei a minha vida à causa da SIDA e não quero parar de lutar. Sei o que sofri e sei o que cada um sofre quando sabe o resultado do teste. Não há necessidade para esse sofrimento e é por isso que estou aqui tentando dar uma ajuda a quem precisa dela. A minha vida só tem sentido enquanto houver pessoas que precisam de mim.
Não tenho raiva da SIDA, ela ajudou-me a crescer como ser humano. Embora pareça um absurdo, acho que lhe estou agradecido por me ter feito acordar para a realidade da vida.
02/02/2008
Porque a SIDA existe.
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3 comentários:
É impressionante a onda de solidariedade que se gerou à volta deste texto. Venho do SIDADANIA e achei graça ao post do Raul.
Pela vida e pela coragem e por todos aqueles que são capazes de ser solidários.
Abraço
Multiplicam-se os apoios à causa.Quem falou em isolamento e ostracismo?
Abraço
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